sexta-feira, 3 de abril de 2009

Cais, 31 de março de 2008

Instantes atrás folheei minha vida acadêmica enquanto procurava a ti, borrão.

Peguei a pasta onde estavas guardado, em tua procura e, tendo me esquecido do que estava fazendo, folheei certidões, certificados, requerimentos, declarações, desta vida que, coincidentemente, será depois de amanhã.

Depois de amanhã “todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático serão convocadas por um edital”. Serei mulher lida, culta. HÁ-HÁ-HÁ. Ainda dependo da aprovação de 4 créditos. Comigo mesma tenho, também, créditos em déficit. Única alternativa: ação.

Apelo pra reza. Acredite, ela me mobiliza. Movimenta coisas que em outra circunstância estariam adormecidas, ou entorpecidas, ou esquecidas. Ou ainda estariam outra coisa, ou nenhuma das alternativas.

Rezo para ter forças de começar a estudar para o que eu acho que pode me dar algum retorno, como até agora não veio. Rezo para ter forças de conseguir entrar na rotina, acordar cedo, me alimentar bem, fazer exercícios físicos. Tomar Gerovital, contribuir para que as sinapses mnemônicas funcionem. Ler repetidamente para reter.

Enquanto isso, vivo. Velo o sono de Um Amor. Ele já vive o depois de amanhã, está cansado, enquanto estou aqui insone de medo deste mesmo tempo. Dorme, e é lindo. Preciso acordar cedo, vou colocar o despertador. Não sabe Um Amor que temo, na mesma medida que desejo. Tremo.

Tremia por dentro ao encontrá-lO. Olhava, lá pro alto, onde estavam os seus olhos, ainda distantes dos meus. Até que Ele abaixava para nos abraçarmos. Na subida os olhos trocavam, por segundos, a vibração que reverberava dentro, esquentando, denunciando o que estava acontecendo.

Isso faz tempo.

“O tempo não cura nada, só desloca o incurável do centro das atenções”. Argh! Esse pensamento soa forte, pesado. Como se fossem instransponíveis os obstáculos, como se fossem incuráveis as dores. Discordo. Minha memória contribui para isso. Ratifico: as falhas dela. As lacunas que sempre preencho ou preenchem-se ao sabor do vento, e sua lei, a natural dos encontros. Deixo e recebo um tanto, e vivo. E a vida vai impondo-se a mim, que me recuso e pronto. Vem de dentro...

Ontem senti sono. Muito sono, muito, pesado, deliciosamente tomou-me e cedi, simplesmente. Nem ouvi tocar o despertador. Fui acordada por circunstâncias outras e fiquei braba. Franzi a testa, respondi delicadamente, na medida do possível, a pergunta, virei a perna por cima do 4º travesseiro e dormi de novo. Estava precisando.

Também vou precisar inventar uma doença para justificar a necessidade de sonhar. É o único argumento que aceitam socialmente sem pestanejar. Preferencialmente anexando um atestado.

Era pra antes de ontem. Causa da maior urgência. Em verdade, verdade mesmo, era para novembro do ano passado mas nenhum anjo tinha me mandado a notícia. Ela estava pregada com durex como aviso, na porta da coordenação, é bem verdade, mas, em verdade mesmo a coordenação de psicologia me assusta. Lá sempre vivi fortes emoções. Uma delas, impaciência, uma coisa que, para aflorar de mim, realmente necessita de uma certa periclitância. Sou muito paciente. Mas, realmente, filas quilométricas, uma espera interminável para, ao final de 3 horas, em média, ser atendida por funcionárias ótimas, mas, também, humanamente com os nervos a flor da pele. Foi por ver o tumulto da coordenação de psicologia da UFPB que nasceu o sonho de ser servidora pública federal. Imagine só ter a possibilidade em mãos de colocar a coordenação de algum curso para funcionar com rapidez e eficiência? Poxa, tornou-se um interesse profissional. Minha meta, uma delas, para agir no mundo, fazer minha parte. E que os leitores não achem graça, falo sério. Vocês podem não estar ouvindo a entonação, mas falo sério. Provavelmente se estivessem ouvindo a entonação estariam rindo também, as pessoas acham engraçado o jeito como conto as coisas.

Nossa, hoje tive uma surpresa gigantesca. Rolei de rir, rolei literalmente, no chão, com a cabeça apoiada num colchão inflável fofinho. Entrelaçada, sorrindo em dupla, nossa, que parceria surpreendentemente engraçada com este que, justamente, justificou-se outro dia em estar tão reticente, diante de minhas perguntas. Estava assustada, não conseguia lê-lo, enviei um bombardeio de questionamentos que não se respondiam no olhar, na observação, nem no silêncio.

- Você está bem?

E ele respondeu a grande porcentagem das vezes que estava, muitas delas com um meneio de cabeça.

Realmente, se há algo que eu quero é que ele esteja bem.

Dorme. Enquanto tomava banho, ele adormeceu profundamente, não haveria situação melhor para este instante, faz tempo que não o vejo, o que não muda o que o desejo, que é o bem. Apaguei a luz e pisei macio. O saco de biscoito fez barulho, acordou o bichinho. Mas o sono pesado contribuía para a perfeição do cenário perdurar. Enquanto isso, ouço o ressonar e escrevo. Ainda que essas besteiras, escrever para mim é catártico. Faz bem. Tava precisando. Faz tempo.

E como o tempo faz e desfaz comigo...

Simplesmente não o domino. Não tenho as rédeas do meu tempo nas mãos e, ainda que as tivesse, não sei até hoje distinguir direita e esquerda, quão mais assim, sempre como o meu tempo faz, de supetão. Acaba que sigo reto. Ou então sou embalada, num barco, num ônibus, num passeio, no aceite de um convite. Fluo.

E de repente, me deparo num cais.

É depois de amanhã. Podia ter sido muito antes de ontem, mas eu fluo. Acabou acontecendo no tempo que era.

É chegada a hora. Nunca a minha vida esteve tão preenchida de histórias, emoções, vivências. Algumas vezes a sensação dos meus passos é de teletransporte: chega tudo muito rápido. Depois de amanhã meu irmão!

Mal convidei pessoas, ainda não chamei meu pai, ainda não tenho a roupa de pingüim, ainda não sei qual e onde será a programação lúdica da provável maior cachaça da minha vida. Se não a maior, mas a mais relevante, a da maior vitória até então, a maior conquista. Que, ao fim, não é nada.

Tranquilamente escrevo, cofio em uma mecha da franja, bebo água, como biscoito, perscruto com o olhar o espaço em busca de lençol. Penso se fumo, se não fumo... Perai, vou fumar, e geralmente começo pela mão que pego o lápis.

(...)

Pensei em colocar alguma onomatopéia, mas sempre achei ridícula essa tentativa de conter os sons. Nem Álvaro de Campos conseguiu fazer-me deixar de pensar isso. Até aqui, até devo ter utilizado algumas onomatopéias, não temo o ridículo e super incentivo as tentativas, considero-as uma atitude válida. Mas, soam ridículas.

“Sequer palavras existem para isso”, assim como não existe como descrever um êxtase, seja de qual for a natureza. O sentir é sublime e suplanta o verbo. Ouvir é sublime, som é sublime. Tem coisas que são indescritíveis. Inenarráveis. Duas palavras até então para tentar explicar isso. Talvez partituras, e sequer sei se estão de cabeça para baixo ou para cima, se pegar o papel com algumas. Agora o fascínio que sinto por sons, cores, música, arte, literatura... Estão de cabeça para cima, bem dentro.

Assim como e em semelhante medida está a vontade de fazer a diferença no mundo. E eu pretendo começar a estudar pro concurso da UFCG após o rehab da cerimônia de colação.

O sono bate e eu vou abraçá-lo. Amanhã acordo cedo para resolver o de antes de ontem, tendo antes cuidado bem, acarinhado bem Ao que O quero tanto quanto O temo.

E tremo ainda.

Depois de tanto tempo, mexe ainda, mobiliza ainda o trêmulo pelo encontrar dos olhos cor de mel, que olham pros meus e, hoje, cintilam.