segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Retórica X Ímpeto

M. C. Escher


Existem pessoas que dominam tanto o poder da palavra, mas tanto, em tão tamanha profundidade, que se tornam capazes de distorcer o sentido de muita coisa pra coisa que quiserem que seja: bom para mau, doce para salgado, feio para bonito, dentre mil e outras variantes de coisas opostas. Ok, tudo é relativo, mas, prossigamos.

Em estudos posteriores, de datas longínquas, ouvi essa arte ser chamada de retórica, melhor, tinha entendido isso sob essa alcunha nos meus tempos de colégio, só depois vim descobrir que era outra coisa, como a gente sempre descobre com o passar das séries que o que aprendíamos de um jeito era depois ensinado de outro completamente diferente (o tal do aprofundamento nas questões), sim, e o desanuviamento da alcunha foi quase que completamente adquirido naquele local onde arreganham, escavacam, voam o mundo, local de nome bem apropriado: universidade.

Os advogados até aprendiam isso na escola, diziam, retórica, vulgarmente chamada da arte de 'aprender a mentir'. Aprendiam(em), por exemplo, a fazer de um culpado inocente.

Pra mim tudo da realidade soa, algumas vezes, tão simples, que uma distorção muito grande ecoa como agressão. E olhe que eu curto surrealismo, de todo o coração. Ressalto que isso aqui é uma página pessoal, opiniões pessoais... Mas adoraria que atirassem pedras no teto de vidro desta que vos joga os meros meneios de um pensamento louco.

Suavizar uma pena de assassinos como os de João Hélio ou como o dos pais de Suzanne Richthofen pra mim, não pode ser defendido por qualquer que seja o argumento. Foi maldade e pronto, caralho! Porra, será que esqueceram que por trás dos pais, do assaltado, existiam, como eles, seres humanos?? Meter bastões no quengo dos pais até a morte, arrastar uma criança que se esfacelava no asfalto, voando massa encefálica, mão, dedos, puta que o pariu, é foda por demais!!!

Mas, desde que não sejam realidades tão bem traçadas, acho que tudo tem dois lados, no mínimo.

Fico ‘de cara’ com os que se fazem capazes de tornar tudo plano, unilateral, ainda mais: linha e ponto.

Capacidade por demais de surrealista, distorção demais em minha opinião, de um ‘surrealismo’ violento, devastador.

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O ímpeto.

Não contenho isso em mim, e não condeno nunca jamais: o ímpeto já me trouxe as experiências mais diversificadas que pude vivenciar.

De ímpeto sou assolada, muitas vezes, por uma curiosidade imortal, mais até que a esperança, incontrolável por qualquer que seja a razão, o argumento. Até pela ciência.

A curiosidade, geratriz dos ímpetos, já me fez dar plenos passos em realidades completamente diversas, e o conhecimento dessa diversidade de realidades me assustou algumas vezes, me chocou outras, me fascinou muitas, mas, acima de tudo, me fizeram por demais aprender. Mais até: viver. Ter, possuir, apossar-me das histórias para serem contadas às escondidas pros netinhos mais sapecas.

Isso é mágico.

Sempre foi mágico.

Nunca deixou de ser mágico, por mais que o ambiente não estivesse interessante, a caipiroska meio cinzenta, gosto de limão passado da safra, banheiros fétidos que chegavam a dar medo até de encostar nas paredes. Ah, pros passantes eventuais que desconheçam esta que vos joga letras, nunca na existência tive frescuras com muita coisa, sou brasileiramente da bagaceira, produto internamente bruto de interior.

Bêbados inconvenientes, pores-do-sol em lugares completamente desertos, estancar numa cadeira a esmo no meio de uma quase-floresta bem de noite sem conseguir parar de conversar, nem conseguindo sentir medo.

Ah, os diálogos que não conseguiam ser completados em meio a crises incontroláveis de riso...

E a experiência mais recente foi a simpatia de um atendente de balcão super agradável, que nos atendeu tão melhor que em outros lugares muito mais, na acepção capitalista do termo, ‘conceituados’, que veio ao nosso socorro no balcão de livre e espontânea vontade, estava curtindo a festa e vendo-nos e percebendo que a atendente que deveria estar no balcão não estava... Devia ser conterrâneo da casa, nos atendeu, procurou a cerveja sem álcool no fundo do freezer, explicou que não tinha Líber em garrafa, só Kronnembier em lata e nos ciceroneou super bem. Perguntou se queríamos conhecer a Gal, foi muito cordialmente chamá-la, ficamos super felizes e expectantes! Mas ele volta meio explicativo, super simpaticamente do mesmo jeito, dizendo:

“- Ow, rapaz, infelizmente a Gal tá dormindo...” e explicando direitinho os motivos, os dias e as horas onde provavelmente ela estaria online.

“- Ela é uma pessoa 10, vcs precisam conhecer!”

Ficamos tristinhos de não poder conhecê-la, voltaremos outro dia sim!!!

E voltaremos.

O som não estava mesmo acariciando os ouvidos. Mas, a luz incandescia pontos laranja-fosforescente e verde-limão nas paredes, parede ao fundo grafitada com ‘Homofobia é crime’, uma menina dançava com a desenvoltura de uma morena do tchan, nunca tinha visto isso pessoalmente. Dançando mesmo, por prazer e se garantindo, sozinha, ao som que aos meus ouvidos não agradava, mas aos dela tanto que a embalava requebrando as cadeiras em cadência de dança do ventre, solta, leve mesmo.

E o espetáculo da liberdade que sonho de ser vivida ainda em meus dias de vigília na terra, onde todos possam se amar livremente, visto tão livremente na minha frente, nossa, me machuca tanto imaginar que por causa de ideologias, as pessoas não podem acariciar e andar de mãos dadas com seus amores sem terem mil cabeças viradas contrariadas em sua direção.

A cerveja deu lombra, acreditem!!! O psicológico é uma doidêra só, creiam.

Torna quase tudo realidade ou irrealidade, em igual proporção.

Eu lá, meio biritada de Kronnenbier sem álcool, sentada numa mesa, eu e meu melhor amigo, um olhando pra cara do outro.

“- E ai, tudo tranqüilo?”

Tava sim, tudo tranqüilo. Tudo tranqüilo em nossas mentes, em nossos corações, em nosso jeito impetuoso de ser.

Tudo que queríamos mesmo era que essa magia tivesse se estendido a todos...

Tão, mas tão infelizmente há mesmo a inconciliável contenda de gregos e troianos...

È essa mesmo a diversidade humana.

Que Deus me dê forças para exercitar cada dia mais a humildade e o respeito aos conservadores, aos compreensivos, incompreensivos, aos retóricos, aos loucos.

Diversidade.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Providência do Provedor


Pei-buf. É assim que funciona.

Não como prego-batido-ponta-virada, de uma ou duas marteladas, o troço demora, mas quando funciona... FUNCIONA. Pei!

A droga deu o click. De repente acordo eu, sozinha, as sete da matina, sem artifícios extras.

Acordei, e... SUPER EXTRA!!! Animada pra dedéu, do nada, contente feito pinto no lixo.

Separei uns cds, melhor, os cds, os tenho poucos (ainda), e fui escutando e balançando ao som dos sons, preparando a lapada matinal (tal turno meio inédito) de café.

Portishead, pra começar sem entender nada, como eu mesma não estava entendendo (porém adorando) o meu atual estado de espírito.

Ah, Tio Sam, filho da puta... Vá enrabar o país do cão!! Dificultar o entendimento alheio... O meu não. Um dia te coloco no chinelo (puta com isso, mas, pra tudo é preciso conhecimento).

Vou me enganar com a necessidade de aprender uma nova língua, o quanto isso é indispensável, e tal, o mundo que se abrirá pra essa semi-analfabeta no Brasil por não saber inglês, blá, blá, bah! Ah, se pelo menos a psicologia que estudo não derivasse, em sua maioria, de materiais redigidos por americanos, eu começaria pelo francês. A revelia, irei pro inglês mesmo.

Fiquei lá, chacoalhando ao desentendimento, apenas aspirando o erótico inconfundivelmente visível nos gemidos “Hmm just / Give me a reason to love you / Give me a reason to beeeee / A woman / Tandan, tandan, tandam / I just wanna be a woman”.

E como por aqui tentarei o máximo possível não cultuar o famigerado Tio, acho que a mulher que canta quis dizer que “hmmm apenas / dê-me uma razão pra amar você / dê-me uma razão para seeeeeeeeer uma mulher / Tandan, tandan, tandam / eu quero apenas ser uma mulher”. Os mais letrados que possam adaptar melhor essa tradução, se possível, pronunciem-se e tenham desde já minha imensa gratidão.

Pode crer, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é.

E tomei umas lapadas de café, pão integral com queijo, o cigarro de menta fumado meio as escondidas na sala de dentro da casa (todos estavam dormindo mesmo...), e sorrindo, com vontade de fazer mil coisas.

Fui dar uma geralzinha na casa, limpei a mesa, lavei uma tuia de pratos... Feliz da vida.

Arrumei minha cama, lavei minhas roupas.

A essa altura, a mulher dos gemidos já tinha sido substituída por Lenine e seu som energético-político-carnavalesco-brasileiro que me balançou bem mais ainda, enquanto estendia as roupas cheirosinhas e limpinhas no varal banhado de sol do meu quintal, e fiquei por um tempo enternecida com a natureza que rodeia todos os dias a minha casa mas só é devidamente apreciada nesses estados de beatitude.

Cara, tem um passarinho lindo, grande, do papinho amarelinho, que está sempre por lá!!! Junto com as lavadeiras, os bem-te-vis, os cajueiros, os pés de pitanga (que estão bombando em produção!), o cachorro, tudo convivendo em perfeita harmonia.

Fiquei a pensar nos passarinhos.

Tá, confesso, a sentir uma certa inveja dos passarinhos.

Além de poderem voar, eles, como vieram pré-programados, estão lá, com a vidinha ganha, os ninhos confortáveis, os companheiros, os filhotinhos pra alimentar, e fazem tudo isso sem qualquer impedimento.

Ah, esse mal de questionar... Queria eu ter exercido a tendência natural de seguir a vida como deve ser seguida sem muito questionar.

Talvez assim, a próxima melodia do som que chacoalhava a minha inédita manhã não tivesse tocado tanto: Elis.

Lá vem ela, com sua voz de passarinha (quase ironia...) cantarolar pra minh’alma que eu tenho mais de vinte anos, mais de vinte muros, mais de mil perguntas sem respostas e que estou mesmo ligada num futuro blue.

Lembrou-me mesmo do espanto de perceber que tenho mais de vinte anos.

Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, essa energia que me eleva dá, agora, um alento a minha alma apressada, em saber que eu tenho duas pernas atuantes agora, dois olhos vendo muito coloridamente a vida agora, um cérebro funcionando melhor agora e uma boca pra ir à Roma, e um todo ser completo e complexo, em sua plenitude, pra ajudar no pular dos mais de vinte muros.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

A 'Roda Viva' sempre nos leva adiante, inexoravelmente.

Composição: Chico Buarque

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

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Outro escrito de outrem que me deixou olhando pros lados: 'será que tem alguém vendo essa aqui que vos treme?'.
Chico Buarque de Holanda acaba sendo quase o mundo inteiro, tamanha a sua capacidade de musicar a subjetividade. Sou fã.
Quem não é?
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Aniversário dia 17.fev. A foto do que rolava dentro de mim no fatídico momento tão pouco esperado de minha data é essa 'Roda Viva'.
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No mais, pq nem tudo são espinhos, a festa foi maravilhosa, queria deixar minha gratidão e imensa alegria a todos que estavam lá!!

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Arregaçar a alma!

Poucas vezes me exponho, muito poucas mesmo...
E algumas vezes acho que perdi um pouco de mim com isso.
Sim, um pouco de mim, não abrindo.
Os 'poucos de mim' perdidos são tantos, que, bah, criei essa coisa aqui também pra isso: arregaçar a alma. Foda-se ser isso aqui virtual ou real, foda-se que o mundo possa ver tudo e saber esse tudo de mim. Haha! Que saibam algo ou tudo de mim? Nisso nenhum medo! Porque na verdade sei que não podem saber tudo de mim. E o que mostro para algumas poucas pessoas me surpreende e enriquece a ambos: pois, mais do que ninguém, sei que conhecer alguém profundamente rende frutos incessantemente importantes para que nos tornemos mais humanos, mais 'pessoas', mais gente.
O que ganharia me escondendo? Como se minha existência fosse alguma coisa pra lá de interessante...
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Pra Ele, O Príncipe, minutos atrás: MÔ!!! Meu Amor... Que saudades imensas! No meio do meu gélido humor de ultimamente, és uma das poucas coisas que acaloram a alma... Entra no MSN!!
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- Sabe por que eu fumei agora?
- Hahahahahhahaha, sei, deixa eu adivinhar!!!
- Porque estava triste.
A outra fica surpresa com a resposta, o semblante muda do risonho pro atento-meio-abatido:
- Mesmo?
E ela começou a desatar os emaranhados de sentimentos que aturdiam dentro. Porque se movem, creiam, se movem muitas coisas dentro de pessoas que aparentemente nem aparentam qualquer atividade.
- Mesmo, e de novo. De novo me vejo sem conseguir acordar, sem conseguir sair de casa... Hoje acordei, incrível, acordei! Consegui acordar! Tomei banho e tudo mais, passei hidratante, perfumes, vesti a calcinha... Lavei o cabelo... Tava pronta pra sair. E não consegui sair de casa. Só de pensar de ver pessoas, pegar ônibus com muita gente, ir pra aula do exercício que eu não consegui fazer, passar pelo meio da praça lotada de gente... E isso, mais do que isso, é 'de novo'. De novo isso, essa repetição, 'de novo', essa coisa que toma conta de mim e me sinto completamente incompetente diante dela, o pior, 'de novo'... Essa repetitividade me mata.
A outra ouvia as rasgações da alma com semblante complacente, meneava a cabeça, contraía de leve os lábios. Estava triste.
Continuou:
- Hoje eu estava fumando muito. E, a vontade bateu, de novo, e tal, e eu sabia que poderia ouvir uma reprimenda de minha irmã por isso quando fosse, de novo, fumar lá na frente. Na minha mente, comecei a tentar me preparar pro momento. Fiquei pensando o que dizer pra ela, tipo uma resposta pra quando falasse o fatídico 'menina, de novo?'... Na minha cabeça, eu, lá, por uns instantes parada, com o cigarro na mão, pensando o que diria, algo com voz calma, de gente explanadora: 'Minha irmã, deixa eu te explicar uma coisa que vai te ajudar muito a entender melhor o ser humano. Olhe, quando você vir alguém que está fumando muito, ou que está dormindo muito, comendo muito, saiba que alguma coisa está errada com aquela pessoa. Sempre que alguém faz muito uma coisa, dorme demais, come demais, fuma demais, tudo, a demasia é sinal de problema. E seria super legal se, ao invés de você vir a perguntar um 'de novo', você perguntasse 'por que' se está fazendo tanto alguma coisa...'
Peguei a pallm pac com cigarros e isqueiro dentro, seguindo pro caminho costumeiro de fumar.
- Menina, já vai fumar de novo? Faça isso não...
- Vou, Minha Irmã. Vou.
E narrou como nunca conseguia dizer nada, assim como não conseguia fazer nada do que planejava, seu aturdimento quando em meio a muitas pessoas, as dificuldades sentidas, enfim, foi vista por um ângulo por onde a outra pessoa nunca teria conseguido a enxergar.
Alma arregaçada, a outra olhava pros destroços, tristinha, agora melhor entendendo o sentido do 'triste' que ela estava dizendo-se estar, agora conhecendo um pouco mais profundamente o vácuo que ela contava existir dentro.
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São os louros de quem expõe: podem, portanto, submeter-se ao entendimento alheio.
Por isso escrevo. E que venha tudo, pois nem tudo são flores: os louros, o entendimento, o desentendimento, o 'ensimesmamento', todos os ensinamentos, todos os -mentos, de tormentos, pensamentos...

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Início do fim do eterno "Adiamento"?

"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso."

Nossa, que palavras minhas... "Hoje não posso". Hoje não consigo, hoje me faltam
as forças, hoje me sobram as lágrimas e o cansaço.
Desde já identificara o auto-retrato que tão fielmente viria a ser delineado com o porvir das linhas.

"A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,

O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma..."

Olha pros lados, instintivamente. Será que tem alguém vendo isso? Alguém vendo
'essa'? A peça, em suas linhas frias e sonolentas, desfilando, gritando, monologando desse jeito, as minhas tendências, pensamentos, no palco feito de papel, da vida, das letras, da inércia...

"Só depois de amanhã...

Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos..."

E então!!! Hoje não, hoje não traça planos. Só sonhos...

Só sono, só sonhos...

"Amanhã é o dia dos planos.

Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro..."

A essa altura da peça, já chorava mesmo. Chorava, como chora agarrada ao
travesseiro, de suas penas brancas como o porvir que espreita, negro, como a maquiagem borrada quando acordava das noites insipidamente vividas em busca de respostas... Quão burra! Achavas, então, que verias o futuro no fundo do copo, insana? Na 'borra' de álcool que ficaria?

"Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.

Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância..."

E a constatação, sentida pesarosa a cada dia, da necessidade de nova vida, novas
histórias, novas perspectivas... E disso, só a bunda que jazia sentada, a doer, em suas cadeiras de braço ostentando um olhar parado, vago, dentre seus pensamentos, esmiuçando dos mestres as alternativas, as aptidões, os dons, todos sempre tão escondidos e desconhecidos, e tal vácuo de impressões, tão sentidamente percebido na mente inquieta, tão quanto a vontade mestra de ser alguém na vida...

"Depois de amanhã serei outro,

A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital..."

Sim!!! Há de chegar esse dia!!! Há de chegar o dia onde darei algum cunho prático
ao hábito da leitura, ao vício da escrita, a torrente incessante de idéias e perspectivas...

"Mas por um edital de amanhã..."


Já chorava... Agora, mais que chora...


"Hoje quero dormir, redigirei amanhã...

Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?"

As redações lidas lá na frente da sala de aula. Nossa, morria de vergonha quando
o professor apenas mencionava que leria as melhores redações para a sala. Sempre acontecia, e ela 'se ria' por dentro, bem por dentro, por fora sentia vergonha, mas também, um certo orgulho de si mesma. Tal orgulho perdido, morto e enterrado nos dias de outrora. E pensa, e chora, e dorme, um sono pesado, daqueles sonos sentidos só depois de torrentes de lágrimas, sono que vem como um descanso pra alma que foi tão dolorosamente chacoalhada pelos soluços contidos...

"Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,

Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não..."

Agora, exatamente agora, só sono. Vem imediatamente após a vontade de ação. E no
meio desse tempo, os devaneios que sempre aparecem a mente, que, invariavelmente, fervilha nos momentos antes de cair nos poderes de Morfeu.
E os sonhos.

"Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã

serei finalmente o que hoje não posso nunca ser."

E as lágrimas.


"Só depois de amanhã..."


Há de ser um dia! Pensamento-consolo pros dias que se sucederam vazios de ação e
repleto de vontades.

"Tenho sono como o frio de um cão vadio.

Tenho muito sono."

Consequência de muito trabalho. Ainda que mental.


"Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...

Sim, talvez só depois de amanhã..."

Conforto pra alma inquieta que não aceita um nunca!


"O porvir...

Sim, o porvir..."

Sim, o porvir há de vir...

E assim balanço... Nesse eterno Adiamento... Tão meu... Tão Fernando Pessoa.
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O "depois de amanhã" chegou, pelo menos para que eu criasse um blog.
E apegando-me a alguma coisa, quê de mística, que isso seja um bom sinal... Um marco da volta dos dias de outrora, quem sabe?!

Criei, e agora?

O que aqui colocarei, por que colocarei? Por que o fiz?
Bem não sei...
Mas estarei, como sempre, copiosamente, a procura de respostas.