"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso."
Nossa, que palavras minhas... "Hoje não posso". Hoje não consigo, hoje me faltam as forças, hoje me sobram as lágrimas e o cansaço.
Desde já identificara o auto-retrato que tão fielmente viria a ser delineado com o porvir das linhas.
"A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma..."
Olha pros lados, instintivamente. Será que tem alguém vendo isso? Alguém vendo 'essa'? A peça, em suas linhas frias e sonolentas, desfilando, gritando, monologando desse jeito, as minhas tendências, pensamentos, no palco feito de papel, da vida, das letras, da inércia...
"Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos..."
E então!!! Hoje não, hoje não traça planos. Só sonhos...
Só sono, só sonhos...
"Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro..."
A essa altura da peça, já chorava mesmo. Chorava, como chora agarrada ao travesseiro, de suas penas brancas como o porvir que espreita, negro, como a maquiagem borrada quando acordava das noites insipidamente vividas em busca de respostas... Quão burra! Achavas, então, que verias o futuro no fundo do copo, insana? Na 'borra' de álcool que ficaria?
"Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância..."
E a constatação, sentida pesarosa a cada dia, da necessidade de nova vida, novas histórias, novas perspectivas... E disso, só a bunda que jazia sentada, a doer, em suas cadeiras de braço ostentando um olhar parado, vago, dentre seus pensamentos, esmiuçando dos mestres as alternativas, as aptidões, os dons, todos sempre tão escondidos e desconhecidos, e tal vácuo de impressões, tão sentidamente percebido na mente inquieta, tão quanto a vontade mestra de ser alguém na vida...
"Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital..."
Sim!!! Há de chegar esse dia!!! Há de chegar o dia onde darei algum cunho prático ao hábito da leitura, ao vício da escrita, a torrente incessante de idéias e perspectivas...
"Mas por um edital de amanhã..."
Já chorava... Agora, mais que chora...
"Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?"
As redações lidas lá na frente da sala de aula. Nossa, morria de vergonha quando o professor apenas mencionava que leria as melhores redações para a sala. Sempre acontecia, e ela 'se ria' por dentro, bem por dentro, por fora sentia vergonha, mas também, um certo orgulho de si mesma. Tal orgulho perdido, morto e enterrado nos dias de outrora. E pensa, e chora, e dorme, um sono pesado, daqueles sonos sentidos só depois de torrentes de lágrimas, sono que vem como um descanso pra alma que foi tão dolorosamente chacoalhada pelos soluços contidos...
"Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não..."
Agora, exatamente agora, só sono. Vem imediatamente após a vontade de ação. E no meio desse tempo, os devaneios que sempre aparecem a mente, que, invariavelmente, fervilha nos momentos antes de cair nos poderes de Morfeu.
E os sonhos.
"Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã
serei finalmente o que hoje não posso nunca ser."
E as lágrimas.
"Só depois de amanhã..."
Há de ser um dia! Pensamento-consolo pros dias que se sucederam vazios de ação e repleto de vontades.
"Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono."
Consequência de muito trabalho. Ainda que mental.
"Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã..."
Conforto pra alma inquieta que não aceita um nunca!
"O porvir...
Sim, o porvir..."
Sim, o porvir há de vir...
E assim balanço... Nesse eterno Adiamento... Tão meu... Tão Fernando Pessoa.
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O "depois de amanhã" chegou, pelo menos para que eu criasse um blog.
E apegando-me a alguma coisa, quê de mística, que isso seja um bom sinal... Um marco da volta dos dias de outrora, quem sabe?!
Criei, e agora?
O que aqui colocarei, por que colocarei? Por que o fiz?
Bem não sei...
Mas estarei, como sempre, copiosamente, a procura de respostas.
domingo, 11 de fevereiro de 2007
Início do fim do eterno "Adiamento"?
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2 comentários:
Jack você mesma, é que vi essa cena pela janela de uma visinha e achei lindo.
Massa seu texto, que bom que decidiu fazer o blog, essa exposição gratuita dos nossos eus e eus líricos que dá um pouco de vergonha e um pouco de orgulho.. Adorei!!
:*
tô sem entrar no orkut mas me mudei, quero que va lá na minha cs nova, que é bem maior agora rs..
Vai fazer o quê no carnaval? me responde por aqui tá
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